O presente é uma rajada de vento
Futura de um pretérito perfeito
Cujo alento resume-se ao intento
De destruir o que já foi feito
Vai um sonho a bordo do barco da vida eterna
Que tão fustigado é pelas leis da Natureza,
É o sonho que comanda a vida,
E o barco não é capitaneado, vai indefeso,
E vai, já, lá bem no fundo do horizonte…
E eis que surge uma figura, um marinheiro de olhar sisudo,
Um homem que subiu as escadas da vida há já muito tempo.
Decide capitanear o barco,
Já o capitaneia.
E prossegue-se a viagem, o homem do barco, o sonho, o barco,
Altera-se-lhe a rota rumo à frota que tem por exclusiva rota
A vida.
E o barco da vida eterna já vem a caminho,
Imerso de graciosidade,
Chega a bom porto e a figura humana dissipa-se pela neblina,
Avista-se um adeus, o seu último adeus.
Desvanece-se, cada vez mais, a sua imagem,
Desaparece.
E eu acordo,
Acabo de acodar num estranho lugar, que tão real é.
Bebo um copo de vinho,
E o vinho é lilás,
Estou no céu
E isso é o que me satisfaz.
Passeia-se pela esquinas, escondido, o eterno Belarmino,
Desgarrado de tudo, agarrado unicamente à sua mulher.
Anseiam desmedidamente voar, partir para ficar,
Desembarcar dali e não mais voltar.
Mas… não conseguem,
Existem contornos incontornáveis
Como o raposo que é manhoso e que os persegue,
Que todas as suas incidências nota e escreve,
E que é frio, frio como neve.
Belarmino avista-o,
Alarma-se, cerra os dentes e agarra-se à faca, à sua melhor faca.
Tenciona afugentar dito raposo e poder voar de uma vez, para sempre.
Aprende a lição, a lição de voo, aprende-a após muitas.
E ele já voa, esquece com azáfama o elevador,
Inútil por agora, indispensável outrora.
E continua o seu voo, lá bem alto,
Voa por amor. Voa com a sua faca, quer evitar tragédia. Voa por amor,
Um amor sangrento, um amor combate,
Um combate de amor, de amores.
Amor assim é, animal.
Amor é não haver regras, não haver polícia.
Belarmino desaparece no céu, já lá vai bem no cimo.
Disse adeus à efémera tristeza, partiu com a sua mulher,
A sua mulher a dias, a dias…
Belarmino torna-se uma incógnita, ainda existe o elevador,
Despedaçado, mas ele existe.
E o elevador será chamado um dia,
É o Belarmino, o fora de leis.
Na inocência de uma longínqua e ofuscante luz
Existe um mato verdejante, florido.
E vida, existe vida. E tanta vida que é. E existem sonhos.
Sonhos, esses, sonhados por alguém que não eu. Alguém que nunca foi ninguém,
Alguém.
Alguém sonhou e vejo o que ninguém sonhou,
Arquitecta-se e edifica-se paisagem à medida que o vento me sopra,
Uma brisa incessante me faz sonhar, um sonho, um sonho de alguém.
Ganho fé em alguém. Ignóbil de mim achar-me alguém.
Encho-me de ar, valentia e ousadia de guerreiro.
Penetro pelo mato adentro com um sonho já sonhado, outrora.
Corro continuamente com alento. Sinto-o bater, ainda vai a viagem a meio.
Sopra-se o vento contra o intento de qual não estou isento, cada vez mais e mais.
O sonho ganha chama, incendia a paisagem verdejante.
Acordo, vejo. Foi-se a luz, foi-se o escuro. Estou vivo e, inocentemente, sou alguém.